domingo, dezembro 11, 2005

2º Cruzeiro (Mau tempo)

O 2º Cruzeiro “Ao Sol do Atlântico” teve particularidades muito diferentes.
Os sítios por que passámos (Agadir -> Las Palmas -> Lanzarote), não são comparáveis a Veneza, Ravena...e o mar também não.
Não há comparação possível entre o Mediterrâneo e o Atlântico. Não sei se tem a ver com a profundidade das águas, mas o período da ondulação é muito maior no Atlântico.
Enquanto no Meditterâneo 2 ou 3 ondas consecutivas passam debaixo do casco do navio, levando-o a ter um movimento apenas levemente oscilatório, a distância entre ondas consecutivas no Atlântico é muito maior. Por esse motivo, e apesar do seu tamanho (comprimento), o navio tem tendência a enfiar a proa na cava da onda, que depois o levanta, obrigando-o a um movimento oscilatório pronunciado.
Neste cruzeiro no regresso, deparámo-nos com ondas de 6-7 metros. Na altura havia tempestade no golfo da Biscaia com ondas de 13 a 14 metros, que se repercutiram nas tais 6-7 metros na costa africana.
Foi uma experiência única. A enorme dificuldade em subir um vulgar degrau de uma escada, quando a proa do navio se eleva no ar, ou o cuidado que se tem que se ter na sua descida quando baixa é inacreditável. No primeiro caso, tem-se a sensação de falta de músculos nas pernas. Parece que estamos meio paralizados. A mente informa a perna que tem que se levantar e esta responde que não é capaz.
A minha esposa quis sistematicamente (e erradamente, como viu mais tarde) permanecer deitada na cabine assistindo aos balanços do navio, profundamente enjoada. Tão enjoada, que certa vez a filmá-la, ela levanta-se e diz-me: vou vomitar. Foi tão rápido que não teve tempo de chegar à sanita. Vomitou no lavatório. Tive depois de ser eu com uma pá improvisada com uma revista dobrada a transferir toda aquela amálgama orgânica nauseabunda do lavatório para a sanita....e ainda por cima com o barco aos saltos. Hoje não sei se seria capaz.
O meu sítio preferido era estar no exterior, no passadiço por cima da cabine de comando:
- 1º sentia menos as oscilações no navio;
- 2º sentia o vento na cara o que me ajudava ao mal estar;
- 3º porque a paisagem era deslumbrante.
Saía do camarote, respirava fundo 2 ou 3 vezes, e caminhava a passo acelerado pelos corredores fora, subindo os diversos lances de escadas até atingir o tal passadiço.
É impressionante a forma como o mar consegue castigar um navio daquela envergadura. Parece uma pena de passáro soprada por nós.
As ondas formam-se à distância, o navio começa a baixar a proa e quando vem a nova onda, a proa está ainda em fase descendente. A onda bate no casco, varre literalmente o convés, e ainda me salpica a mim, que estou a mais de 15 metros de altura. Já só depois da onda passar é que o navio começa a levantar lentamente a proa, novamente. O efeito da inércia é impressionante! Belas filmagens que eu fiz!
A minha esposa, de tanto eu insistir e de já não saber que fazer, passou-me a acompanhar nesta aventura. Também gostou imenso...e deixou de enjoar.
A sensação que deverá ser, se o mar tiver ondas de 12 ou 14 metros.....

NOTA:
Existe também outro efeito interessante, quando se anda embarcado. Quando em navegação e percorremos os longos corredores do navio, temos a tendência para no início andar-mos aos SSS, devido aos movimentos oscilatórios transversais do navio. Ao final de alguns dias, o cérebro passa automaticamente a compensar tais movimentos e nós passamos a andar em linha recta. Quando o barco atraca e pisamos terra firme, voltamos a andar aos SSS. O cérebro continua a agir compensando um fenómeno que já não existe. Então, durante alguns minutos, parece que estamos bêbados.
É interessante as alterações que o nosso corpo produz, para compensar fenómenos estranhos.

Chegada a Lisboa

Não é por ser alfacinha, mas a vista da entrada da barra do Bugio e depois toda a vista da margem de Lisboa, é algo incomparável, com qualquer outro porto de conheço, à excepção de Veneza.
A vista da ponte 25 de Abril, a Torre de Belém, Pavilhão dos Descobrimentos, Monumento dos Jerónimos,......., as habitações que sobem as diversas colinas.......é algo francamente bonito de se apreciar.
Estávamos quase a entrar a barra (a dobrar o Bugio), quando decidimos fazer o resto das malas. Só que (há sempre um só que...) as oscilações do navio são acentuadas junto ao Bugio e quando queremos baixar a cabeça para retirar o que está por debaixo das camas, com os balanços, é algo complicado.
Disse à minha mulher que tínhamos tempo para fazer isso mais tarde. Desde que o barco entra no Tejo, até atracar, temos muito tempo.....e assim foi! Foi já no Tejo que acabámos de fazer as malas. O tempo é mais do que suficiente.
Foi um belíssimo tempo que passámos a bordo.
Para quem gosta de viajar, não conheço melhor forma de o fazer.

Sul da Itália (Não me lembro do nome) e Ceuta

A penúltima paragem do cruzeiro foi no sul da Itália, numa terra de que não me lembro o nome.
É interessante ver a enorme diferença que existe entre o norte e o sul daquele país.
No norte, os carros param nas passagens de piões, nota-se uma grande azáfama humana e evidentemente um clima mais frio. No sul, guiam como os portugueses (apesar de aos poucos e poucos estarmos nitidamente a fazer progressos). Têm um comportamento erróneo nas ruas, como se não tivéssem objectivos bem definidos, nem nada para fazer. Talvez a diferença esteja de no norte ter estado apenas em grandes cidades, onde o reboliço é sempre maior.
Passou-se no entanto um episódio curioso.
Íamos a passear numa rua (eu e a minha esposa), onde estavam de um lado e de outro muitos homens escostados às paredes das casas sem fazerem nada. Numa destas estava escrito “muerte à la Mafia”. Peguei na máq. de filmar e comecei a filmar a cena e posteriormente a frase. A minha mulher começou a ficar com medo e puxou-me pelo braço: “anda, vamo-nos embora, antes que arranjes para aqui algum sarilho!”.
A verdade é que nada aconteceu, e ainda hoje guardo essas filmagens.
Na volta do autocarro até ao barco, e depois de ter os ouvidos cheios de música grega da paragem anterior e já 16 dias de mar, o motorista pôs a tocar uma música do Rod Stwart.
Não me lembro do título da canção, mas quando a ouvimos, reconhecemo-la logo. Sentíamos que estávamos de novo de volta à “civilização” como a conhecemos, depois do susto na Grécia e deste sul da Itália desmoralizante.
16 dias, para um 1º cruzeiro é tempo a mais! Começamo-nos a sentir um pouco claustrofóbicos!
Ainda parámos em Ceuta para as tradicionais compras. Terra sem interesse nenhum....nem mesmo para fazer compras!

quinta-feira, dezembro 01, 2005

Grécia

Esta paragem na Grécia teve também outro episódio deveras interessante.
A zona é extremamente montanhosa, com estradas estreitas que serpenteiam indefinidamente os acidente geográficos.
O condutor do autocarro, como qualquer grego que se preza, era completamente louco a conduzir. Guiava a velocidades completamente proibitivas para o tipo de estrada, bem como para o enorme tamanho do autocarro.
A certa altura um passageiro perguntou à guia turística, porque é que se viam tantas capelinhas ao longo da estrada, decoradas com flores. De facto de 500 em 500 metros lá aparecia uma. A guia informou-nos, que era usual naquela zona da Grécia, sempre que havia um acidente com mortos, os familiares eregirem uma pequena capela.
O pessoal já aflito com a velocidade do autocarro, a geometria do terreno e da estrada e ouvir um comentário daqueles, foi o fim. Numa determinada curva para a direita a roda de trás resvalou para um enorme precipício, criando-se imediatamente o pânico a bordo.
Só se ouviam gritos, os da minha esposa incluídos. Quando na volta do passeio se avistou Igoumenitsa e o paquete, quase toda a gente inrrompeu numa enorme salva de palamas. Estávamos salvos...e cheios de fome, porque com os atrasos, já eram cerca das 16:00.
Foi um episódio muito divertido!
O norte da Grécia, junto à Albânia é uma zona extremamente pobre. Com lojas de ferragens, mercearias, que fazem lembrar filmes do século XIX. Não conheço o sul, mas o norte é paupérrimo!

Grécia (Dodona)

A 2ª paragem foi em Dodona para visitar um museu de máscaras de cera, à imagem por exemplo do da Madamme Tousseau (em Londres), salvo as devidas proporções, é claro.
O museu tinha apenas um tema: as atrocidades que os turcos tinham infligido aos gregos ao longo da História.
Massacres, massacres e mais massacres. As figuras até estavam bem feitas. Mas salas consecutivas a exemplificar sempre o mesmo, é monótono e cansativo. Ainda por cima sobre o tema massacres, quando uma pessoa está de férias.....
Seja como for, o museu está bem concebido e as figuras bem feitas....no entanto, quem quiser ver um museu de máscaras de cera a sério....vai a Londres.

Grécia (Ioánnina)

A paragem seguinte foi em Igoumenitsa, no norte da Grécia.
Aí assisti a mais um exercício 3º mundista.
Estávamos em plena efervescência na zona dos Balcãs, que daria lugar semanas mais tarde à terrível e cruel guerra civil na Jugoslávia.
Quando o barco aportou, fomos recebidos por um esquadrão militar armado até aos dentes; até metrelhadoras tinham trazido. Aquilo parecia um teatro de guerra. Dava a impressão que estava a viajar num cruzador em vez de um paquete de recreio.
As autoridades subiram a bordo e quiseram verificar os passaportes um por um de todos os passageiros, antes de se proceder ao desembarque.
É fácil advinhar o pandemónio que tal situação ocasionou. Esta situação atrasou o desembarque em cerca de 2 horas.
Após as autoridades terem acedido ao desembarque, dirigimo-nos para os autocarros, para realizar a excursão. Lembro-me que haviam 3 destinos traçados, mas que devido ao atraso do programa, só poderíamos visitar 2.
Como bons portugueses que somos, deu logo direito a discussão. Havia um indíviduo do Porto, casmurro, que armado em intelectual, queria porque queria ir a Ioánnina ver um teatro grego. Tanto forçou, que lá conseguiu convencer o resto do pessoal a ir ver o teatro. Houve direito a um enorme sarrabulho por isso, no autocarro.
Chegados a Ioánnina, saltou imediatamente do autocarro e a passo acelerado foi ver o monumento. Ainda o resto do grupo se dirigia para o local, já o indivíduo se vinha embora, dizendo que não valia a pena perder tempo, porque era apenas um amontoado de calhaus. Mais valia ir a outro sítio.
Mas o que é que aquela inteligência estava à espera de encontrar passados 2.000 e tal anos?
O grupo retorqui-lhe que não! Tínhamos decidido ir ali, e agora íamos todos visitar o local histórico. Quando regressámos ao autocarro, estava ele já lá dentro com cara de poucos amigos.
Acabou por ser um episódio divertido, à conta de um tipo burro e iletrado. Quando se viaja em grupo, estamos sempre sujeitos a estas coisas.

Kotor

Após a saída de Dubrovnik e antes da próxima paragem em Igoumenitsa na Grécia, fizémos uma pequena incursão na baía de Kotorska, na Albânia.
Trata-se de uma baía enorme, rodeada por uma cadeia montanhosa verdejante.
Junto ao lago existe uma povoação que dá o nome à baía e se chama Kotor.
Não desembarcámos, visto tal paragem não estar nos planos da viagem. Apenas fizémos uma incursão para apreciarmos a paisagem circundante, que é de facto muito bonita.
Claro que mal entrámos na baía, abeirou-se imediatamente um barco albanês com 5 ou 6 representantes que vieram a bordo, só para confirmar se não seríamos um grupo de espiões da CIA. Abandonaram o navio cerca de 45 minutos a uma hora depois, carregados de lembranças oferecidas pelo comandante do navio.......que no fundo era aquilo que queriam: lembranças, e se calhar uma comidinha melhorada.
Pormenores de países comunistas pobres do 3º mundo.
Só Deus sabe como vivem as populações, mas como não desembarcámos, não deu para fazer uma idéia.

Dubrovnik

Se existe terra para onde eu ía morar sem pestanejar, Dubrovnik na ex-Jugoslávia, agora Croácia, era uma delas.
A entrada pelo mar Adriático é feita por um largo braço de mar, como se de um fiorde se tratasse.
Ao fundo do lado direito, fica uma enorme marina cheia de barcos à vela e também a zona nova da cidade, que eu não tive tempo de visitar. Do lado esquerdo, fica a zona velha.
Todo o conjunto é ladeado por uma grande cadeia montanhosa.
É (era, visto a minha visita ter ocorrido semanas antes do início da guerra civil) uma cidade calma, sem grande movimento de viaturas e com dezenas de milhares de pombos. Nunca tinha visto tantos pombos juntos, que aliás vim a saber mais tarde, serviram de alimento à população durante a guerra.
Os monumentos são muito bonitos sobretudo pela sua cingeleza. Grande parte das edificações da zona velha, são caiadas de branco, como qualquer vila alentejana.
Notava-se nas pessoas, uma certa aspereza no contacto, um certo espírito de raiva contida. Hoje, não faço idéia como será.
O custo de vida era caro. Um gelado normal de 2 bolas posto num cone de baunilha, custava na altura cerca de 400$00. Para os ordenados deles, deveria ser muito elevado.
Como todas as cidades tem uma praça principal, com um monumento central muito bonito e que eu sei, foi encaixotado durante a guerra, tendo sido preservado até hoje.
Virar-nos para o mar e ver ao fundo a saída para o mediterrâneo de águas calmas e todo aquele mundo de barcos à vela ancorados (parece a marina de Marselha, salvo as devidas proporções), dá uma sensação de indescritível tranquilidade.
É uma terra que reluz exactamente pela sua simplicidade e preservação da natureza no seu estado mais puro.
Não me importava de morar num sítio assim.